CADEIRA 26

SANDRO ADRIANO DA SILVA

Data de nascimento: 1975
Naturalidade: Brasileiro
Data de eleição: 08 de julho de 2017
Data de posse: 06 de novembro de 2021

 

 n

 

    
Patrono: MARIA DA LUZ VEIGA MELLO
 
 
Antecedido por: EDEVALDO ALVES DE ALMEIDA 
 

DISCURSO DA POSSE:

“Excelentíssima senhora presidenta da academia mourãoense de letras, acadêmica dalva helena de medeiros, demais acadêmicos, demais autoridades civis, minhas senhoras, meus senhores, caros e caras internautas que nos acompanham pelo Facebook,
boa-noite.
há quase uma década, esta cidade, que muitas vezes se fez rota obrigatória em trajetos, percursos, se fez para mim porto, parada. acolheu-me, desde que aqui, neste solo matizado de ancestralidade dos povos originários cuja memória hoje modela-se em silêncio; e das levas de homens e mulheres que sonharam para além dos limites do seu tempo, deitando nestes campos mouros e verdes suas raízes estrangeiras, suas essências estranhas, como convém aos que habitam com inexatidão a medida da promessa, construíram suas vidas, estreitando seus laços existenciais, sociais, afetivos em horizonte visionário. esta cidade, o nódulo de sua história, que para mim se configura desde então um território de afeto, recobrindo de descanso e rudeza, com o mesmo senso de justeza que há na pátina do tempo: enquanto vive um poeta, sua fome, seu olhar dilacerado sob e sobre tudo que o rodeia: o amor na expressão da existencialidade, cujo regaço as formas sonham o instante de existir, num sumidouro de linhas e ponteiros de pedra e suas necessidades mais terrenas: o trabalho, o cultivo das amizades. migrar é um ato de amor. mas ato de amor que entoa uma canção de sal pela garganta imantada e vítrea, sob o risco da vida, provando da diversidade e da adversidade inerentes à experiência que se transmuta quando se sai de sua terra de origem, como o elo de uma corrente que se quebra com a força do destino ou das escolhas. 
um pouco ainda sorvendo a estrangeiridade, pego-me a tocar a pedra lisa do tempo dilatado, tornando-me parte da paisagem esboçada, ela também compulsória – às vezes hostil, como um nome que se faz perecível, hoje, ingresso – caminho um caminho de linho e cal – a essa digna academia, cujos nomes lapidam uma memória telúrica, como convém aos que se sabem imortais, nessa linhagem.
todo o começo – e o começo é somente onde ele acaba o termo de chegar – imprime, por tantos caminhos como marca de legitimidade, o eco dos devaneios, os sonhos de tantos outros e outras que aqui vingaram. trago comigo junto à atração pelo novo, as visitações típicas de quem penetra uma cidade pela primeira vez, com a curiosidade incensada diante de seus labirintos e contradições e mistérios. acolhido nesta cidade, acolhidos nesta academia, sinto mais que uma intensa emoção, mais que uma honra, um cálido sentimento de pertencimento a uma linhagem de criadores e mantenedores deste espaço, homens e mulheres, que vêm com seu imaginário, arte, cultura, e gestos fundadores, mantendo vivo o fio civilizatório que nos preserva da corrosão do eterno presente. esta é uma idade de fronteiras esgarçadas; esta é uma casa de paredes porosas, em que convivem passado e futuro, memória e projeto, como convém aos que se sabem imortais – vítimas inescapáveis que somos de um corpo perecível, esse monstro só ilusoriamente domável. apesar disso, nossos gestos aqui conferem o desejo pela imortalidade, posto que a obra de um, de cada uma, confere à fragilidade do destino humano, a perpétua infância e o rodear de vozes longínquas que reverberam no varejo dos instantes. 
incontornável é, para mim, senhores, senhoras, a palavra sob a língua como uma rosácea calcinada pelo luto. esta posse é estriada por um momento histórico incisivo que a aditou. nos números oficiais, mais de 600 mil vítimas da covid-19. 
essa estação sob o peso de um lençol 
secado ao sereno
a morte desfilando com suas bocas cobertas de nomes.
um céu lamento
onde alguém chora em algum lugar
um poema curto como o fôlego.
o vírus: palavra despoética em leito universal
amortalhandoa amor talhando
o recato do luto negado.
ínfimo vírus
ínfimos vimos
a enorme ferida entre presente e futuro
o pânico, o luto, a inquietude no vestígio
como um louco que veste capuz 
e carrega um bandolim sem cordas pelas ruas
a morte: sua face movediça, reverso de todos os nossos escudos – memoriando esta antiga quimera da condição humana. nesse ínterim, entre as duas datas arquetípicas de nossa experiência, a literatura se coloca como uma luta perpétua entre a terra da realidade e o céu do sonho. um litígio incessante entre razão e imaginação, e ambas essas dimensões, avançando uma contra a outra, 
estilhaço de moldura
a indiciar as antigas flores.
o retrato inecessário 
a corolar a urgência que não se doma 
em dois tempos
aceno e cruel
cotovelos fincado no mar
vício de facas. 
uma faca só lâminas.
a literatura como segredo da escrita e gozo da leitura. ofício de sedução de mitos, de narrativas orais, que se perdem na noite dos tempos, e que fazem da fabulação e do narrar gestos essencialmente humanos. somos todos e todas fantasistas. somos todos e todas narradores e narradores. é de mário vargas llosa uma das definições que carrego da literatura: a literatura como uma forma de utopia. diz ele “ela nasce de um desejo de intervenção em uma relação com  mundo sentida como inconclusa. sonho lúcido, fantasia encarnada que nos completa, a nós, seres mutilados a quem foi imposta a atroz dicotomia de ter uma vida só e os desejos de mil”. literatura: nossa aventura interior corrige a monotonia do mundo, sua contingência. a literatura como as artes, lança um olhar sobre a contingência que nos devora, mesmo que, mormente, a palavra não alcance o indizível. 
a literatura como território fundamento da experiência de humanização do sujeito, na lição do professor antonio candido, desnuda as vicissitudes sociais e históricas, os flagelos advindos da exclusão por que passam as mulheres – brancas, negras, indígenas -, os sujeitos lgbtqia+, os negros, as pessoas com necessidades especiais, dos silenciados, dos sem teto, os sem-terra, os que no brasil de hoje reviram o lixo ou gritam “é fome!”. é dessa literatura, do inefável e das vidas rasteiras, das vozes mulheres, os sertões que carecem de fechos, da pedra do meio do caminho, dos defeitos de cor, da morte em odes mínimas, que reputo carecemos tratar, em literatura, em outras artes, em outros saberes.
saber de cor o silêncio
diamante e/ou espelho
o silêncio além
do branco.
saber seu peso
seu signo
– habitar sua estrela
impiedosa.
saber seu centro: vazio
esplendor além
da vida
da memória.
saber de cor o silêncio
– e profaná-lo, dissolvê-lo
                            em palavras.
aceito de bom grado. mas não ambiciono senão o perecível, o provisório. o que carrega a centelha da dúvida, a chama, o látego de um grito empoçado de instantes repertoriados de paixão. e tão somente pela reverência (ou sabotagem) à poesia. essa arte ciumenta que nasce quando quer da carne e dos ossos da palavra imperfeita, do amargo da boca tortuosa, das cadeias do gozo, do sagrado, do abandono, da resiliência ou desespero. quero ser o passante-nuvem, que se desfaz no espaço vazio e claro. como a chuva que aguardamos cair – chuva momentânea, perfeita de beleza, como um voo de pássaro inexperiente. ou como um livro ofertado em incêndio inesperadamente e sorvido com vinho enquanto o jantar é preparado.
quero, com violetas nos lábios cerrados, a sombra fugidia – como em um poema de sophia de melo, lembrada por um amigo-alma.
contenta-me o simples trajeto entre uma porta fechada e uma porta aberta um poema de dora ferreira da silva –  a breve expectativa antes da passagem. aspiro uma nomeação para a impermanência, para a passagem, para a desposse, como exige a poesia, franqueando, por um lado, o silêncio, como na música de john cage, para quem a palavra é antes indireção, textura de enigma. busca. perda. a palavra é desmargeável. não tem margem.  por outro, o que há mais insubmisso nos entornos interventivos da literatura, da poesia. da literatura menor e sua radicalidade. nesta zona limítrofe do pensamento, estamos sustentados, suspensos pela linguagem: é na experiência da linguagem, apreendida pela palavra intensificadora, que a força humana – de uma obra e de um destino – recai. nesse ponto de interpermeabilidade em que a vida e a literatura  se revelam um contínuo espasmo, que nos convoca para seu eterno (e passageiro) começo vertiginoso ou melancólico.
 Obrigado.”

BIOGRAFIA RESUMIDA

Nasceu em Marechal Cândido Rondon (PR), em 11 de maio de 1975, filho de Terezinha Maria da Silva. Mudaram-se para Cascavel, onde moraram até 2013, quando foi chamado para assumir a vaga de Literatura no curso de Letras da Unespar, campus de Campo Mourão, por concurso público. 
É graduado em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná e mestre em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá com a dissertação “Acenos e afagos”: o romance queer de João Gilberto Noll. É doutorando em Letras pela UFSC. 
Entre vários trabalhos de natureza acadêmica publicados, destaca-se a obra “Agripa Vasconcelos: do poeta ao romancista das Gerais”, em coautoria com o professor doutor Maurício Menon e a professora Mara Sylvia de Vasconcellos Mancini. Possui alguns poemas em estado de dicionário… 
Tem dois pets: Clarice, em homenagem à Lispector, e Fou-cault, pelas palavras e pelas coisas. 
De seus mortos-sempre-vivos pela persistente memória literária destacam-se Hilda Hilst, Clarice Lispector, Lúcio Cardoso, Caio Fernando de Abreu, Guimarães Rosa, Orides Fontela, Murilo Mendes, Ana Cristina Cesar, Proust, Woolf, Borges, Garcia Lorca, Syl-via Plath, Anne Sexon, Ingeborg Bachmenn, Marina Tsvetáieva, Baudelaire são alguns de seus mortos-sempre-vivos pela persistente memória literária.
Cuida da mãe, amor imemorial, arquetípico.

FORMAÇÃO ACADÊMICA

GRADUADO EM LETRAS
MESTRE EM ESTUDOS LITERÁRIOS
DOUTORANDO EM LETRAS